Senti-me completamente descalço!
Aveiro!
É verdade que estou com os que não suportam a analogia com Veneza, que toda a gente sempre quer referir. É pá...há tanto mais para contar e descrever sobre Aveiro do que propriamente que é a Veneza portuguesa, e que só não se fala italiano, mas sim português; e os barcos não são Gôndolas, e que não fica em Itália, e que Aveiro tem os ovos moles, e a barra, e os azulejos... e uma isto e outra aquilo, etc, etc, etc... mas de resto, são iguais!
Humm, aposto que os Italianos adoram que lhes seja dito que Veneza é a Aveiro de Itália!
Ok, mas se como eu, há uma meia dúzia, também há muito quem nada se incomode e até quem se orgulhe pela comparação, sendo que, não me proponho dissecar isso até à exaustão. Por isso, siga...
Facto é que Aveiro é incontornável e em nenhum outro lugar do país se "embrulham" as casas com papéis tão coloridos e padrões tão diversos.
Mas eu AQUI, escrevo principalmente sobre corridas, e uma vez mais, a ideia é essa.
Obviamente, desta vez não é para falar sobre a primeira vez nas corridas. Sobre isso também há que dizer...e sim, foi em Aveiro. E foi suficientemente marcante para recordar para sempre e até, claro, escrever umas quantas linhas sobre essa vivência.
Até parece que sou de Aveiro ou perto, pois, também nesta coisa das corridas, tenho vindo a guardar meia dúzia de importantes datas trazidas dali, e por mim tudo bem... é sempre agradável voltar à Ria!
Fui a Aveiro receber a 1ª medalha em corridas, nos 10kms da Cidade. Foi ali também, que em 2019, terminei uma sofrida 3ª Maratona. Tinha já andado ali pelos arredores, nuns 10kms de verão na Costa Nova. Mas desta vez vim a Aveiro fazer uma 1/2.
A Meia é aquela distância do coração e parece que, não estou completo enquanto não fôr fazendo a Meia Maratona de todo o lado. Então, com naturalidade, inscrevi-me e fui apresentar-me à 3ª 1/2 da Ria.
Mas esta corrida não era uma corrida qualquer! Para já, estava a propor-me terminar ali, a minha décima meia maratona. Isto pode não ser significativo para alguns, ou até para ninguém. Mas para um quarentão como eu, que nunca pensou correr e muito menos chegar a terminar uma meia maratona, estar a chegar às 10, era qualquer coisa de assinalável.
Para além de ser a 10ª Meia, ainda trazia um outro peso atráz... Eu tinha acabado de me tornar Maratonista!
Ah pois é! velharias...e tal! Principiante, cheio de problemas de saúde e não sei quê!...mas estava a chegar de França, com a medalha de finisher da Maratona de Bordéus. Este era um feito que me deixara verdadeiramente orgulhoso, é verdade. Quem não?
Orgulhoso e Exausto!
Toda a preparação, stress e adrenalina que envolveram a minha estreia nos 42kms, tinham-me deixado bastante desgastado, e com naturalidade, ao chegar de França, decidi suspender as correrias durante pelo menos quinze dias. Tinha treinado tanto, percorrido tantos quilómetros para me preparar para aquele feito, que estava a precisar de parar, não treinar, nem sequer pensar nisso durante algum tempo. E foi isso que fiz!
Estive parado e obviamente sem querer admitir, mas não queria ouvir falar de treinar... estava com a corrida pelos olhos!
Mas ok, sempre lá acabei por retomar, fazer uns treininhos e convencer-me de estar a fazer preparação para uma vez mais fazer a meia.
Tipo, 4 ou 5 treinos, sei lá...as coisas também se tornam dificeis, do ponto de vista motivacional, pois se te habituas a correr 12 ou mais kms todos os dias, e ir fazer 30kms ao fim de semana...
...depois disso, qualquer coisa que faças, vais sempre achar pouco.
Então, um mês e um dia depois da minha medalha de maratonista, lá fui tranquilo até Aveiro.
Não estava calor, e isso claro, é ótimo... aliás, o tempo estava bem próximo de perfeito. Achei a dimensão do evento, talvez um pouco pequena... éramos poucos para correr. Pouco mais de 200 participantes, e não havendo uma prova de 10kms ou uma caminhada, as coisas estavam de facto um bocado reduzidas. Havia também a impressão de não estar ali a carne toda no assador... afinal, onde estavam as cameras e os camiões dos grandes patrocinadores, pois... mas nestas coisas, todos tem o direito de começar, e começar em grande nem sempre é possível.
Assim sendo, e sem grandes demoras ou aparatos, o tiro de partida aconteceu, e a malta foi por ali fora toda animada. Uns trotes, umas aceleradelas, firmar pés, ajustar equipamentos, lá começámos a posicionar-nos e pouco depois dos 200 ou 300 mts já estava eu a achar que o ritmo estava bom, e hoje sentia-me bem e os dados estavam bem lançados.
hi! hi!
Claro que, para quem anda nestas coisas, sabe... e quanto mais anda, mais sabe que isto não é nada como começa, e até que, da minha parte, já começava a haver uma obrigação de saber começar bem para melhor terminar!
Acredito que, se fosse atleta de elite ou alguém com expetativas mais lá para cima, talvez um início vigoroso fosse de facto incontornável, mas o meu posicionamento nestas coisas, pouco tem a ver com isso. Primeiro preciso de garantir connsiderável equilibrio e estabilização atlética, e depois, ir por ali fora e fazer as corridas e os percursos baseado no resultado disso.
Afinal a ideia é gozar a viagem, aproveitar esta oportunidade de poder participar e fechar com o cruzar a meta, o receber da medalha e ter uma vez mais a sensação de ter alcançado um objetivo mais.
Não...morrer!
Mas eu estava soltinho...sentia-me bem, e quem mete 42kms no bolso, vem aqui fazer 21 totalmente no tranquilo. Será um passeio!
Então fui indo e, como quase sempre, a excitação e entusiasmo contagia-me e nunca sou bem capaz de me contêr, de me ficar e de me guardar devidamente para aquilo que devia ser a minha estratégia e que são as minhas reais limitações.
De forma que, aos 2kms já vais ofegante, aos 3... cheínho de calor, aos 4... transpiras como se estivesses a chegar, e aos 5... de lingua de fora, a pensar que precisas abrandar e gerir melhor!
E é precisamente aí, nesse momento, perante as primeiras questões pertinentes, que eu, nesse dia, sou derrotado e lá se vão por terra as minhas chances de superação.
Não sei ao certo qual a percentagem de físico versus psicológico que estas coisas tem. Acho até que esta é uma variável que se vai expressar de diferentes maneiras e proporções de acordo com as diferentes circunstâncias e momentos. Mas efetivamente, nestas coisas de correr mais que 10 ou 15 minutos, o aspeto psicológico é fundamental, e a gestão daquilo que se está a fazer, parte sem dúvida da tua cabeça.
E desta vez, aos 5kms, a minha cabeça deixou-se conquistar e fui derrotado! Digamos que, face às primeiras dificuldades, toda a estrutura que tinha montado para esta conquista (e efetivamente não era lá uma grande estrutura), ruiu como se de um castelo na areia se tratásse, e atirado ao tapete, não sei como não parei ali!
Parava, encostava, descansava um pouco, e cabisbaixo, dirigia-me ao local de partida, enfiava-me no carro e voltava a casa.
Apetecia-me tanto desistir, não estava a ver como é que... fogo, faltam 16kms...isto hoje não vai dar! Será impossivel chegar ao final! A minha cabeça simplesmente disse a todo o restante corpo que não havia condições para fazer este percurso...não ia ter paciência!
Faltava tanto tempo, tanto percurso, e como raio eu me ia motivar para estar ali?! E foi tudo menos fácil!
Tratei de abrandar, e não foi preciso esforçar-me muito para encostar à cauda do pelotão, e lá fui indo por ali, por entre comentários, sorrisos, piadinhas e queixumes. O meu foco precisava de estar noutra coisa. Se me concentrasse na corrida, seria demasiado sofrimento...
Passámos finalmente os 8...ufa! (eh eh), os 10, os 12, os 15... os 18. Pareceu uma eternidade!
Talvez se houvessem mais atletas, ou algum público para animar. Os abastecimentos também podiam ter ajudado um pouco mais...tipo, talvez de 500 em 500 metros, sempre seria mais uma distração e ao menos ficava de barriga cheia!
Aos 19 já estava sem paciência nenhuma, e quando, por fim, passei os 20, decidi tirar as sapatilhas e vir por ali fora descalço, naquele que foi talvez o melhor kilometro desse dia.
Terminei em euforia e ambiente de festa, ficando a minha ida à meia de Aveiro a ser lembrada, não pelo aborrecimento e sacrifício que foram aquelas 2 horas e 4 minutos, em que parece que fiz tudo menos correr, mas por aqueles últimos 5 minutos em que, de sapatilhas na mão, cumprimentei entusiásticamente as poucas dezenas de público que se aglomerou para a chegada dos atletas, e qual feito histórico de conquista e superação, cruzei a meta de pé descalço, numa boa alusão ao estado de espírito que me invadiu e condicionou toda esta prova.