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Uma meia a meias!

Pode dizer-se que terá sido esta a minha melhor classificação de sempre (até agora, né!)... de facto, em 639 atletas que terminaram estes 21kms, fiquei à frente de seis deles!

Mas este episódio teve a ver com tudo menos com classificações. Efetivamente os dois "compinchas" terminaram a prova, e essa foi a classificação que importa e a vitória conquistada. Para mim foi a segunda vez numa meia maratona, e se na primeira, as coisas se complicaram um bocado e terei andado na reserva durante mais tempo do que previa, desta vez, em Coimbra, ainda consegui demorar mais tempo.

Ok, mas vamos lá à história, porque também tenho a minha dignidade, e, não sendo nenhum diamante por delapidar, teria melhorado o meu primeiro tempo dos 21, não fosse o meu amigo skippie estar nesta equação.

Arrependido ou desapontado?! Nop...nem um bocadinho. Para mim correr (ou poder correr) é uma benção, na dádiva diária que é a vida, e fazer as corridas pela experiência, pela oportunidade, pelo desafio, pelo ambiente, pela partilha, pelo momento, pela conquista... ó pá, chega-me bem!

Então... estavamos em finais de 2016, e eu, que tinha começado com estas coisas do running há um ano, estava a preparar-me para repetir a dose nos 21kms. A primeira vez, na Figueira da Foz, tinha sido muito fixe e tal, mas queres sempre melhorar, e aquelas 2horas e 16min... quase 17, deixavam margem para melhorias. Talvez até podia melhorar muito substancialmente, quiçá baixar das 2 horas, sonhava eu.

E assim andava nesta expetativa e empenho a preparar a minha segunda Meia Maratona.

Os treinos sabiam-me bem, tinha fome de estrada, só me apetecia treinar, e nunca chegava...cada vez queria correr mais, mais tempo, mais longe, mais vezes.

Então sim, estava no bom caminho!

O meu querido amigo Skippie, sabia disto... Ouvia-me falar, tinha acompanhado uma fase difícil, e via-me agora entusiasmado e otimista como nunca. E eu desafiava-o, claro! Se me faz tão bem e traz tão bons resultados, porque não contagiar o meu amigo?!

Ele começava a correr...que lhe faría tão bem, e era uma oportunidade de estarmos juntos e vivermos mais uma aventura.
E como, sempre o conheci teimoso...sabia que se ele se convencesse, teria então arranjado companhia para esta etapa.

E assim foi, foi-me dizendo que sim, e quanto mais se aproximava a data da corrida, mais ele continuava a confirmar que era para acontecer. Só uma coisa não estava bem, o treino...não havia maneira do Skippie começar a treinar!

Eu avisava-o,
e ele sabia,
e eu dizia-lhe,
e ele prometia,
e eu preocupava-me,
e ele, provavelmente estava-se nas tintas...

E esteve durante o tempo todo, a cena dele era ir correr uma Meia Maratona. Não, começar a correr, ou treinar para fazer uma corrida. Aquele desafio tornou-se pessoal, e o Skippie precisava simplesmente de provar que tinha condição fisica suficiente para ir fazer 21 kms.

Fogo...21 no mínimo!

O dia chegou e lá nos encontrámos uns bons minutos antes da corrida, para confraternizar um pouco e entrar no espírito. Logo aí, achei que o equipamento do meu amigo não era o mais adequado.

Quer dizer, a maltinha em geral deve achar que isto dos equipamentos próprios e específicos é só mania dos corredores. Sim, há aí muito exagero e malta que se apetrecha até aos dentes, pois! Já muito se falou sobre isso, mas há permissas fundamentais e quando se vai correr ou tentar durante duas ou mais horas, aceita-se que o teu leitor de mp3 ou auriculares não sejam hiper-mega-top, aliás, isso podes nem ter, mas o teu calçado!! as tuas meias!! o tipo de cueca e como esta te aperta ou não; os calções; a t-shirt...é importante haver algum critério. E o Skippie, simplesmente não quis saber! Apresentou-se à Meia com umas merrel (excelente calçado para uma boa caminhada na natureza),e dois pares de meias casuais.

Eu achei que ele se podia dar mal, mas quem sou eu?! Afinal seria unicamente a minha segunda meia, a primeira nem tinha sido assim tão brilhante, e eu estava tão longe de ser uma autoridade nestas andanças.

Grande ambiente e tal, as Running Wonders realmente apresentam-se com o aparato todo...

e lá partimos nós, Coimbra a fora, sempre a descer vertiginosamente desde a Universidade até à beira do Mondego.

Hoje sei, porque entretanto já fui repetir aquele percurso mais duas vezes, que este trajeto tem um início muito rápido, os primeiros 5, 6 ou mesmo 7 kms são em descida e envolvido pelo ambiente da corrida, facilmente um participante se empolga e vem por ali abaixo como se não houvesse amanhã.
Mas até nem foi o nosso caso, não vinhamos propriamente a travar, mas achei que nos mantivemos bem numa velocidade confortável em ritmo de passeio.

Isto foi o que senti, no entanto e por via das dúvidas, fui perguntando ao meu amigo, se as coisas estavam bem e se, se sentia confortável.
Aparentemente sim...e quando digo aparentemente, é porque nem vi de onde é que, mais ou menos ao km 9, perdi o Skippie!!

Quer dizer, não o perdi, perdi... não o deixei de ver. Simplesmente perdi o tal parceiro que trazia décadas como nadador e treinador de natação, com uma capacidade toráxica de invejar, altíssima resistência física e uma velocidade de pico acima da média.

Afinal o meu amigo tinha o pacote completo para chegar, ver e vencer! Uma Meia não é algo que se faça assim de improviso, mas se fosse, o Skippie seria certamente capaz da proeza. Bom, isto achava eu, e pelos vistos ele também.

Mas, quando ao 9 o ouvi dizer que precisava de abrandar; que estava muito acelerado e ia começar por fazer uma paragem para xixi... pensei:

Ó diacho, isto vai complicar-se!

E complicou, claro... de que é que se estava à espera?!

Queria gerir aquela situação da melhor maneira possível...achei que, talvez o melhor fosse o Skippie desistir. Talvez eu devesse desistir, para forçá-lo a fazer o mesmo. Também não me apetecia, caramba! Ele é crescido e deve saber se está em condições de continuar ou não!!

A opção foi continuar, of course! ...não fosse o Skippie um grande teimosão!! Continuamos por ali a fora, mas estávamos noutra corrida. Cada quilómetro que fomos fazendo, demorava substancialmente mais do que o anterior. O meu amigo Skippie, estava aflitíssimo... era a respiração, o cardio não estabilizava; a t-shirt que atrapalhava, ora despia, ora vestia... caraças! as pernas que já estavam a começar a pesar 110kg cada uma, as sapatilhas que começavam a morder... quer dizer, elas vinham a morder há muito, só que agora já não estava a dar para aguentar. Basicamente tudo o que se possa pensar, estava a atrapalhar a progressão do meu amigo.

Pessoalmente, entre os kms 9 e (talvez) 11 ou 12 estive a fazer contas, a decidir a estratégia e a convercer-me da minha decisão. Faço corridas pelo espírito e pelo prazer, e esta era uma aventura que tinha começado a dois e seria assim até final, ou pelo menos até onde desse, independentemente da classificação geral, ou do tempo final.


Cada vez fomos ficando mais para trás!

Eu sentia-me bem...tinha treino, estava leve e solto. Então aquilo para mim seria um passeio com o desafio de manter o meu parceiro em jogo. Corria, afastava-me dele para depois voltar atrás, falava com ele, incentivava-o, tentava distraí-lo com conversas, tirava fotos, parei para xixi uma ou duas vezes, metia conversa com outros participantes. Fiquei a perceber que ali, na cauda da corrida, a corrida é outra. Há muita conversa, muita história trocada, muitos episódios de superação inacreditável a acontecer...muita gente que abdica de ir lá na frente, só para levar alguém à conquista, muitas dicas, muita teoria...da boa! ...e claro, muita aflição também! Há tudo isto, e há aqueles que, por mais interesse que as conversas possam ter, eles já não dizem nada.
Se abrirem a boca é para se queixar...vão ali a sofrer fortemente, e aquilo nunca mais acaba!!

Assim estava o meu amigo Skippie, e de facto, foi custoso acompanhá-lo e fazê-lo percorrer aquela distância. Mas quê... seria ainda mais difícil fazê-lo desistir, e por isso, com toda a dificuldade que teve, estou convencido que ainda assim optámos pelo mais fácil!

21 são 21, e mais tarde ou mais cedo íamos acabar por chegar...nem que fosse de rastos! Era esta a disposição do Skippie, e depois de uma última paragem, já na ponte de stª Clara, levantou-se do lancil para percorrer aqueles últimos 500mts, acabar de vez com aquele sofrimento e receber a medalha de finisher de uma meia maratona.

Parabéns amigo Skippie, melhor ou pior, foste capaz de terminar uma Meia... e sem teres treinado!

Orgulhoso do meu amigo, disse-lhe no entanto que, todo o sofrimento durante e após...sim porque as pernas provavelmente doeram-lhe o resto da semana, e as bolhas dos pés, os mamilos açoitados, ou as virilhas assadas, devem ter demorado algum tempo a curar, mas tudo isso era de certa forma bem feito e totalmente merecido, porque o seu ato faltava ao respeito a todos os que se esforçam e muito trabalham e treinam para poder completar uma Meia Maratona.

Para mim, ficou (para já), como a Meia mais lenta da coleção, mas o que importa isso comparado com a oportunidade, vivência e recordação de mais esta página na minha história de correrias e sobretudo na minha história com o meu grande amigo/irmão Skippie!

Valeu corajoso inconsciente!!